segunda-feira, 20 de outubro de 2008

HALL DA FAMA



SEGUNDO CONCURSO LITERARIO DA TAVERNA
CONTO VENCEDOR


O Estranho Caso do Sr Jones

Campina Verde, é o nome da cidade. Poderia se chamar São João do Roque, padroeiro da mesma, ou ainda Anandaçú, ou qualquer outro nome que seus fundadores quisessem lhe dar. Mas foi assim chamada devido ao estranho caso que ocorreu no Cemitério local, chamado de Campina Verde porque era essa a impressão que se tinha ao visitá-lo, uma imensa campina coberta de grama com algumas placas colocadas sobre o solo para indicar onde estavam enterrados os cidadãos eméritos que vieram a falecer.Ou quase todos, já que nunca foi esclarecido o que aconteceu com o Sr Jones Antuérpia, um dos mais eméritos cidadãos da pequena vila.

Imigrante de outras terras, tinha encontrado seu lugar entre as casas e corações de Campina Verde e, talvez por ser o médico do lugar e ver tantas pessoas vir ao mundo e ajudar a que se mantivessem nele, foi o primeiro a ver a necessidade de se dar um destino louvável aos que deste partissem.Assim, quando decidiu-se por uma área livre, de terra fofa (e os futuros coveiros sempre lhe agradeceriam por esse cuidado) rodeada de arvores frondosas e de belas flores, para ser o cemitério do lugar, ninguém se opôs a ele. Como não havia corpos mortos para serem depositados, outros corpos, bem vivos, achavam-se no direito de deitar-se ali, e alguns até a, ironicamente, buscarem mais vidas para este mundo e para as bênçãos do Sr Jones e suas mãos mágicas.

E a cidade foi crescendo cheia de bem aventurança, e nada do dito cemitério ser inaugurado. Não que houvesse pressa alguma disso, já que serventia lhe era dada, ainda que não a que se destinava de fato. Até que, um dia, por uma triste coincidência, o digníssimo Sr Jones veio a falecer.

Contam alguns moleques em suas conversas escusas, que foi quando o fogoso Sr Jones se debruçava sobre uma de suas clientes, examinando-lhe com instrumento próprio, o interior de suas partes pudicas, ainda que sem fins médicos que fossem necessários, mas que de bom grado o fazia, e não só com ela, que se apresentava ao infortúnio desse momento, mas com toda que lhe dissesse não ter vínculos maritais que a comprometesse.

Mas eis que esta, a do infortúnio, embora sem vínculos explícitos a todos, que se pudesse comprovar, tinha lá seus vínculos com o José de Arimatéia, famoso em toda a vizinhança por seus modos nada delicados com moças e piores ainda com os homens. Beberrão mais que consagrado, e criador de casos e descasos. Tolerado apenas, e não muito, devido a sua habilidade indizível de destrinchar qualquer bicho que lhe caísse às mãos e às facas, que portava sempre na cinta, a pretexto de qualquer necessidade de última hora.

E não foi por sorte de um, e azar de outro, que o dito cujo, José, adentrou no consultório do Sr Jones devido a desarranjo por algo que havia comido e que lhe soltara os fluidos superiores e inferiores, e encontra o digníssimo cidadão em pleno ato de comer algo que não devia, também.

_ Maria da Roça – disse o José de Arimatéia. Ambos nomes que não constam da lista de moradores para protegê-los, e ao relator, que não é nada bobo – o que estás a fazer com o nobre doutor?Há quem possa dizer que não foram estas as palavras, também, mas existem tantas versões do ocorrido que mais uma não há de fazer diferença perceptível.

_ Aiiii, aii, meu peito...aiiiiiiiii......Antes que se pense que a pobre moça estava com algum problema, o peito a que se refere a dor, foi o do Sr Jones que ao ver o estrago que a comida iria lhe fazer, resolveu que melhor seria sofrer um infarto fulminante, como o olhar do menestrel das facas, o João, bem o sabe quem já o viu fazê-las cantar, atritadas uma contra a outra, a desempenar-lhe o fio cortante.

E assim dizendo, o digníssimo Sr Jones estatelou-se ao chão com uma das mãos a agarrar a camisa na altura do coração e a outra a segurar as calças, prontificando-se ele mesmo a inaugurar o cemitério que criara.

Diante da inusitada situação, João, para salvar a honra de si e de sua amada, achou melhor de dizer que o pobre havia partido desta para melhor por arte da mal afamada adversária de todos os médicos. E prontificou-se a ficar postado ao lado do mesmo, em homenagem póstuma ao tanto, de galhos diriam alguns, que o concidadão havia lhe dado em vida.

E assim foi feito, pois que ninguém conseguiria, ainda que tivesse vontade, fazer João arredar de sua homenagem ao falecido.
Rapidamente providenciaram um caixão e colocaram o defunto para se deitar em seu ultimo lugar de repouso, vigiado de perto pelo seu novo cão de guarda, que nem piscava, e até, admirado seja esse seu ato nobre, recusou-se a “beber o cadáver”, como a tradição mandava, mas que por lhe dever tanto, abstêmio se tornava a partir daquele momento de tristeza.

E foi homenageado por todos dignatários do local, o distinto Sr Jones, que em vida tantos servira e na morte inaugurava o seu último feito de renome. Decidiu-se, no calor do momento e do líquido ingerido, por todos presentes, que se deveria dar nome para a cidade do mesmo lugar onde o nobre concidadão repousaria em seu descanso eterno.

A homenagem póstuma, na qual havia se convertido o velório, se estendeu por todo o resto do dia e durante a noite até que ninguém se agüentou de sono ou de bebida e caiu em algum canto sem arredar o pé. Até mesmo o João acabou se aninhando nos braços da desconsolada Maria e se consolou ele, ao seu jeito.No dia seguinte o caixão já fechado foi levado, e escoltado. Estranharam o leve peso que se sentiu, vai que foi devido ao Sr Jones ter alma tão pura que esse milagre lhe sucedia, mas no estado que estavam ninguém sequer levantou objeção a um peso menor a ser conduzido.

Colocado o caixão na cova inaugural e coberto por terra e flores, foi deixado à própria sorte. Coisa indigna de se dizer de quem não a teve tanto quanto merecia, mas que se fazer a essa altura?

No dia seguinte, João inconformado do ocorrido, se dispôs a ir ao lugar de destino final do amado médico, que tanta falta ia fazer a muitos, e porque não dizer até mesmo ao pobre homem que chorava, não se sabia bem do motivo e, nesse momento de tristeza, decidiu cometer o sacrilégio de cavar a terra e remover o caixão apenas para entregar, como jura de pé junto até hoje, ao digno concidadão, suas inseparáveis amigas de trabalho de diversão.
Seu berro foi ouvido nos confins da cidade, que tão grande não era, e quando os moradores foram verificar o que se assucedia, encontraram o caixão vazio aos seus pés.

_ Sumiu. Quando abri não estava mais entre nós – disse João desfigurado pela surpresa do ocorrido.
– Não lhe tirei os olhos um minuto e sumiu assim, na minha frente.
_ Um Milagre! Era um santo homem mesmo – disse alguém
_ Subiu aos céus com corpo e tudo – disse outro
E todos confirmaram, a bem de melhor resolver a coisa.

Desde então, João virou outro homem, convertido em sua fé imorredoura que revelou na morte do Santo Homem e acabou por se casar com Maria.
Maria da Roça teve que recorrer a outro médico para lhe fazer o parto, vigiada de perto pelo João para garantir-lhe a saúde. Ainda diz sentir a benção de São Jones, que para ela sempre foi um santo, em sua vida.

Quem se atreverá a dizer o contrário, ainda que João, tornado beato pela arte do santo, agora porte as facas escondidas sob as roupas, para o caso de poder entregá-las pessoalmente ao Sr Jones, como sempre foi seu desejo.
O Caixão vazio foi novamente enterrado e colocada a placa merecida em seu devido lugar, garantido que estava por seus atos em vida.
Por mais misteriosa que tenha sido a ocorrência do milagre, uma dúvida ninguém a tem: O Sr Jones, em vida, nunca há de voltar ao lugar que lhe foi destinado em Campina Verde.
E que todos digam amém.


AUTOR: DANNY MARKS

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